terça-feira, 8 de junho de 2010

Sobre campeonatos e vencedores

Como estamos em clima de Copa do mundo...
Final de campeonato, 45’ do primeiro tempo, os jogadores estão vindo para um último papo com o técnico antes da decisão do título. Chegaram até aqui porque lutaram, mas essa luta ainda não acabou. Último jogo, últimos minutos. Campeonato vencido, haverá outros, em esferas diferentes. Esse ainda não terminou, portanto não é hora para discursos de agradecimento.
O que foi fundamental para chegarem até aqui?
Garra. Sim, mesmo com as dificuldades os adversários foram vencidos, o time do desânimo era forte candidato ao título acabou eliminado nas oitavas, diziam que o futebol era o mesmo apresentado pelos Incapazes, mas esses ficaram de fora na primeira fase. Vocês poderiam ter ficado pelo caminho, mas avançaram. Nem sempre apresentando um futebol-arte, aquele que nossas torcidas desejam ver, mas sempre vencendo; afinal o importante são os 3 pontos na tabela, ou os 5 no boletim. Dificuldades dribladas, chegaram à final.
O conjunto também foi importante. Este não é um jogo individual. Mesmo que não queiramos, precisamos dos técnicos, dirigentes, patrocinadores e do nosso time. Os patrocinadores acreditam no nosso nome, os técnicos aprimoram nossos talentos e ajudam a resolver nossas deficiências em campo, e jogadores com quem atuamos? Estes foram e são essenciais. Se aquele passe não fosse dado, se fulano não tivesse tomado aquela falta, sem a dançinha da comemoração não haveria graça...
Como será após a vitória? O sucesso até o momento já colocou uma enorme responsabilidade sobre seus ombros, imagine com a conquista do título. O que virá depois? Provavelmente a obrigação de vencer sempre, a insuportável cobrança de que nada do que fizerem daqui em diante poderá ser menos que perfeito.
Tantas responsabilidades assustam. Não seria melhor ficar por aqui mesmo? Ah, se fosse simples assim! Seguros no ninho sempre. Mas não é! Tudo o que temos à frente é o futuro; é vencer ou vencer.
O que fica para o time refletir e ganhar novo fôlego para o 2º tempo?
Este é um jogo que precisa ser vencido, não como fim em si mesmo, não pelo título, mas como preparação para um outro campeonato, mais longo, mais tensooooo, com novos jogadores, dirigentes e técnicos (nem sempre tão bonzinhos quanto os atuais) e provavelmente sem patrocinadores, mas plenos de motivação experiência, garra e espírito de equipe, enfim com todos os ingredientes que os fizeram chegar até aqui. Vencedores vocês já são, mas que tal continuar vencendo pela vida afora?
Ellen Gonzaga
* Crônica apresentada em cerimônia do CE Central do Brasil como mensagem de incentivo para os alunos 3º ano do Ensino Médio.

sábado, 22 de maio de 2010

Clube da Gula

"Paulo foi o último a chegar no jantar em que seria envenenado. Lucídio tinha confirmado: o prato da noite seria blanquette de veau. O prato favorito do Paulo. O condenado chegou com um grande pano vermelho sobre as costas, como uma capa. Procurara alguma coisa do seu passado de ativista político para trazer para seu sacrifício e não encontrara nada, fora alguns livros mofados. Improvisara a bandeira vermelha, que manteria sobre os ombros pelo resto da noite. Durante a qual só ele falou. Fez um histórico do seu engajamento, desde os seus tempos de estudante, passando pelo seu mandato de vereador, o tempo na clandestinidade, as manifestações, as missões secretas para o partido, a prisão, a eleição para deputado. E falou na traição. Sim, era verdade. Tinha traído, entregado companheiros. Tinha estado nas barricadas e na merda, enquanto nós levávamos nossas vidas médias sem qualquer grandeza, sem nem a exaltação da grande calhordice, da grande culpa. Tínhamos em comum a nossa fome, e o nosso fracasso, mas ele tinha tocado os extremos, ele era melhor do que nós, do que todos nós, inclusive os mortos. E a todas estas devorava os canapés, depois a tarte a lignon, depois vários pratos da vitela acompanhados por um Bordeaux branco seco que Pedro desencavara para a última refeição do seu colaborador. E quando Lucídio trouxe da cozinha a terrina com o que sobrara da blanquerre, não precisou perguntar quem queria mais. Paulo arrancou a terrina qu ente das suas mãos, sorveu o molho branco ruidosamente da terrina mesmo, depois colocou-a sobre a mesa e comeu o resto da vitela com as mãos, roncando, como se estivesse comendo o picadinho do Alberi.
Enquanto os outros comiam a sobremesa, Paulo ficou encurvado na sua cadeira, finalmente em silêncio, com a cabeça pendente e o olhar fixo na toalha. Não levantou a cabeça nem quando Lucídio, surpreendendo a todos, propôs-se a fazer o brinde final, o brinde do Ramos, com o conhaque.
- Não pode! - protestou Samuel - Você não é do Clube.
Mas eu, Pedro e Tiago o convencemos a deixar Lucídio falar. Afinal, o Clube já quase não existia mais.
Lucídio ergueu seu copo de conhaque. Era a primeira vez que aceitava o conhaque. E a primeira vez que não ficaria de pé ao lado da mesa, apenas respondendo a perguntas sobre os pratos que servia.
Ele tinha frustrado a minha expectativa de que seria um bom contador de histórias, e que teria outras histórias como a do clube do fugu para contar. Comportava-se como um cozinheiro agradecido por ser tratado como um igual pelos patrões e convidado a sentar à mesa, mas que conhecia o seu lugar e mantinha o respeito. Agora ia falar. Levantou o copo de conhaque olhando para Samuel e disse:
- Que todos os amigos tenham a recompensa das suas virtudes, e os inimigos uma medida do que merecem." (Luís Fernando Veríssimo)
Este texto de Veríssimo é simplesmente primoroso! Da coleção Plenos Pecados, o meu preferido; até porque a gula é o meu maior pecado. Um triller muito divertido no qual um grupo de amigos se entrega nas mãos de um psicopata pelo prazer de comer.
Só um "gostinho" dessa delícia para vocês! Quem quiser mais, sirva-se!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Nascimento de Vênus

O Nascimento de Vênus é uma pintura de Sandro Botticelli, encomendada por Lorenzo di Pierfrancesco de Médici para a Villa Medicea di Castello.
A pintura representa a
deusa Vênus emergindo do mar como mulher adulta, conforme descrito na mitologia romana. No quadro, a deusa clássica Vênus emerge das águas em uma concha, sendo empurrada para a margem pelos Ventos D'oeste, símbolos das paixões espirituais, e recebendo, de uma Hora (as Horas eram as deusas das estações), uma manto bordado de flores. Alguns especialistas argumentam que a deusa nua não representaria a paixão terrena, carnal, e sim a paixão espiritual. O efeito causado pelo quadro, no entanto, foi um de paganismo, já que foi pintado em época em que a maioria da produção artística se atinha a temas católicos. A anatomia da Vênus, assim como vários outros detalhes menores, não revela o estrito realismo clássico de Leonardo da Vinci ou Rafael. O pescoço é irrealisticamente longo e o ombro esquerdo posiciona-se em ângulo anatomicamente improvável. Não se sabe se tais detalhes constituiram erros artísticos ou licença artística, mas não chegam a atrapalhar a beleza da obra. (Wikipédia)
Particularmente, o que mais me encanta nessa obra é a singeleza com a qual a Deusa vênus é retratada, a variedade de tons na obra e sua riqueza em detalhes. O brilhantismo de Botticelli em um período onde a beleza feminina era considerada maligna.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Desencanto

*Lindo poema de Manuel Bandeira cantado em evento por minhas alunnas da EMGMS. Simplesmente emocionante!

Ah.... o amor! Sempre o motivo de nossas alegrias e frustrações.

Este é o poema dos apaixonados sofredores, daqueles que assumem a dor como parte do processo de amar.

Cada vez que sentimos essa dor, morremos um pouco; embora sem senti-la também possamos viver. Paradoxos da vida humana!

Para outros corações apaixonados e desencantados, este momento de deleite.

A mulher e a casa

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida
elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

Uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.
João Cabral de Melo Neto

Uma ode às mulheres, à importância de entendê-las em sua complexidade. É preciso que nos conheçam para nos compreender; esta nem sempre é uma tarefa fácil de ser cumprida. Aos que se habilitam... Boa sorte!

Parabéns pelo nosso dia!

sexta-feira, 5 de março de 2010

Evocação do Recife


Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.

Manuel Bandeira

Só Manuel Bandeira poderia narrar a infância com tanto lirismo! Evocação é um texto para as horas de desânimo, uma pausa para renovar as energias, ganhar disposição para encarar a vida. Revigorante, seja pelas reminiscências de uma infância feliz, pela exaltação à Língua Portuguesa ou pelo tom despretensioso do texto.
Uma leitura fluviante, flutual!